sexta-feira, 6 de maio de 2011

RIO JACUÍ



A história do ermitão da ilha
Humberto Trezzi



Publicação  de Zero Hora em 05 de maio de 2008 com título: 

Expedição Jacuí Ex-soldado Sigfried Helmut Geib decidiu viver isolado há 50 anos

O ex-soldado Sigfried Helmut Geib decidiu viver isolado há 50 anos e cumpriu a promessa. Chegou aos 84 anos morando no meio do Jacuí, num local onde o único acesso é por água, a seis quilômetros do vizinho mais próximo e a 11 km de outro. Seu barraco de madeira não possui luz elétrica. A água de beber ele pega numa lagoa e ferve para matar os bichos. Não possui cachorro, nem papagaio, nem qualquer ave de estimação. Sua única conexão com o mundo é por um velho rádio de pilha. 

É eremita por opção e convicção, embora não goste de ser chamado assim. Mora no meio de uma tapera nas proximidades do balneário Monte Alegre, município de Vale Verde. Tem escassos amigos. Um deles é o Sérgio Rabutske, o Pé Grande, mecânico aposentado, que uma vez por semana pega sua canoa de alumínio e visita o idoso. Outros são os irmãos Márcio e Ciça Vogel, de Teutônia, que conhecem o "velho Geib" desde crianças. Levam pilhas, algum cereal, até cigarro, que o velho adora. 

De poucas palavras, Geib agradece com resmungos em alemão. Oferece, em agradecimento, mel aos visitantes. Extrair mel é uma das poucas atividades rentáveis que Geib ainda consegue realizar. O peso dos anos está deixando sua marca. Nem forças para remar em busca de peixe ele tem mais. Agora arma redes próximo à terra firme.
Geib foi atleta. Costumava remar 120 quilômetros entre Vale Verde e Porto Alegre, para levar conchas juntadas nas praias do Jacuí. Vendia elas para fábricas de botões para camisas e calças, que usam a madre-pérola como matéria-prima. Quando chovia, parava numa barranca, armava acampamento e esperava. Exatamente como a Expedição Jacuí, a quem ele atendeu domingo. 

Geib já foi um homem urbano. Morou em São Leopoldo e foi soldado no setor de material bélico do Exército em General Câmara, na época da II Guerra Mundial. Fala alemão aprendido em casa, desenvolveu um pouco o espanhol. Por desgosto com um amor perdido, reza a lenda, decidiu fugir do mundo civilizado. Permanece lúcido e sarcástico, apesar das mais de oito décadas de vida. Perguntado se visita médico de vez em quando, desdenha. 
— Prá que? A mata me dá tudo que preciso. Tu sabes que folhinha é essa? Da guabiroba. Uso quando tô mal dos intestinos ou desidratado. Mas aposto que o moço da cidade não sabia... 

Devoto da Mãe Natureza, Geib ainda usa a canoa como único meio de transporte. Agora, com um velho motor dois tempos, que mistura óleo e gasolina. Mesmo com um olho vazado - que lhe dá aparência de pirata de cinema e rendeu o apelido de Capitão Madeira — se orgulha de costurar as próprias roupas. A mosquitama não dá trégua aos visitantes, mas Geib parece imune às picadas. Não liga ou finge que não, dentro de seu espírito de devoção silenciosa ao que a mata lhe oferece. 

Não dá para condenar a escolha de Geib. Se alguém quisesse se isolar num recanto bonito do mundo, as praias do Jacuí próximas a Vale Verde são uma dadivosa opção. Areias límpidas e matas silvestres formam a paisagem nos 60 quilômetros que separam o município da vizinha cidade de Rio Pardo. Como Geib, quem adora o silêncio poderia muito bem escolher um lugar assim para viver. 

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